Detroit, aliás, sempre foi uma cidade com grande apelo turístico e de economia poderosa. Já no início de 1896, muitos homens de negócios das mais variadas cidades chegavam à cidade para participar de convenções, congressos e reuniões de trabalho.
Os hotéis, restaurantes, táxis, bares e boates viviam abarrotados de gente animada e com muita vontade de gastar! A cidade já começava a mostrar vocação para o turismo de negócios naquele final de século.
Foi num desses dias, mais precisamente no dia 06 de fevereiro de 1896, que Milton Carmichael, um jornalista recém chegado de Indiana, ligado ao Partido Republicano, veio trabalhar no The Detroit Journal, um dos principais periódicos da época. Ele escreveu o texto que reproduzimos um pouco mais abaixo, que pode ser considerado o estopim para a fundação do primeiro convention bureau do mundo!
Fabricantes de todo o país usam nossa hotelaria para promover reuniões onde discutem os temas de seus interesses, lotam nossos restaurantes em encontros de negócios ou comemorações a eles relacionados. Entretanto, tudo isso acontece sem que haja um esforço por parte da comunidade para tentar garantir que eles tenham acesso ao que há de melhor, ou seja, nenhuma ação que vise dar-lhes algum apoio durante sua estada entre nós! Resumindo: eles vêm para Detroit porque querem ou precisam, e nunca porque nós os influenciamos a vir!
Será que Detroit, através de um esforço conjunto de seus empresários e lideranças políticas, não conseguiria garantir a realização de 200 ou 300 eventos a mais ao longo do próximo ano? Isso significaria a vinda de milhares e milhares de pessoas de todas as cidades americanas, e elas gastariam milhares de dólares no comércio local, beneficiando toda a cadeia econômica da cidade e a vida da população.
Faz-se necessário que nossos empresários entendam que é preciso trabalhar pelo bem da cidade, e não apenas pelo sucesso do próprio negócio. É preciso entender que o concorrente não é inimigo, pode ser parceiro. É necessário que paremos de olhar para o umbigo e saibamos olhar o futuro e aproveitar as oportunidades que só unidos seremos capazes de ver.”
Ao publicar esta nota tão objetiva e corajosa, Carmichael conseguiu mexer nos brios dos empresários locais e despertar o interesse de alguns comerciantes membros da Câmara de Comércio e do Clube dos Fabricantes, os quais, em reuniões com hoteleiros, agentes de venda do sistema ferroviário e outros pequenos empresários, decidiram, em encontro acontecido no hotel Cadillac, fundar uma organização para promover, de forma ordenada e conjunta, um esforço contínuo para atrair mais visitantes para a cidade.
Assim surgia o The Detroit Convention and Businessmen’s League, ou Liga de Convenções e Homens de Negócio de Detroit, primeira denominação da entidade que em 1907 passou a adotar a nome de Detroit Convention & Tourists Bureau.
Nessa época, o Detroit CTB tinha pouco menos de 20 associados, mas a idéia vingou e começou a dar frutos em outras cidades dos Estados Unidos e até do exterior. Em 1915 havia 12 outros CVBx, cujos representantes se encontraram em Detroit para formar a organização que hoje é a IACVB – International Association of Convention & Visitors Bureaux, entidade que reúne centenas de CVBx do mundo todo.
Na verdade esse artigo questionava muito mais que isso. Interpretado adequadamente, o pensamento de Carmichael, revelará que já continha o embrião do associativismo no setor do turismo receptivo, conceito que só seria integralmente assimilado muitas décadas depois. O que ele queria dizer de fato, é que os empresários deveriam parar de promover a concorrência predatória entre seus empreendimentos, olhando cada um para seus próprios interesses sem se preocupar com uma coisa chamada “mercado”.
Na visão de Carmichael era preciso incorporar uma visão global do setor, atuar de forma coletiva em favor do desenvolvimento econômico da cidade como um todo, atitude a qual, na visão do jornalista, acabaria por beneficiar cada um dos participantes.
No fundo, Carmichael defendia ali as vantagens de se colocar o bem comum acima do bem privado, ou seja, incentivava o associativismo como instrumento para o desenvolvimento sustentável. Mas Carmichael não era ingênuo.
A mensagem subliminar que ele passou, e que abriu os olhos da elite da época, era a de que seria muito mais rentável ter um negócio, qualquer que fosse e de que tamanho fosse, numa economia forte, vigorosa, em crescimento contínuo e num ambiente de concorrência civilizada, do que lutar para manter uma empresa em funcionamento numa economia estagnada ou em declínio, tendo que enfrentar concorrentes desleais e predadores! Em suma, ajudando a manter a economia aquecida, você estará ajudando o seu próprio negócio.
Está aí o DNA de todos os CVBx, e a maior lição que Carmichael deixou para as gerações futuras: contribuir para o desenvolvimento da cadeia produtiva local, para no final obter benefícios para o próprio negócio, fazendo com que ele se perpetue. Como dizia o mestre Theodore Levitt, “o primeiro negócio de qualquer empresa, é permanecer no negócio”.
Era um fato inédito que marcaria o início do surgimento da indústria automobilística que até hoje é a marca de Detroit. Era a primeira vez que um automóvel era dirigido pelas ruas da cidade. O autor da façanha, Charles King, que chegou a ter dificuldades com as autoridades por sua ousadia, por ser um visionário, foi um dos fundadores do CVB de Detroit.
É claro que as coisas não foram tão fáceis como alguns podem imaginar. Era preciso levantar fundos para que o Detroit CVB pudesse trabalhar. Quando Carmichael falou em investimento, em gastar dinheiro para trazer gente de fora, imediatamente algumas vozes mais conservadoras alegaram que seria um desperdício aplicar recursos próprios num projeto tão mirabolante. Segundo essas pessoas caberia às autoridades locais investir na vinda de visitantes e na captação de eventos!
Mas a visão estratégica do jornalista, que insistia em defender que cabia à comunidade empresarial se unir e não ficar esperando a iniciativa do poder público, acabou por prevalecer. A independência financeira e a ausência de qualquer ingerência política são, até hoje, objetivos perseguidos pelos melhores CVBx do mundo. Cada país encontrou o seu modelo, e não há mal nenhum em que os recursos venham, em sua maioria, do poder público.
É evidente que o trabalho de um CVB tem impactos sociais positivos e importantes, e essa característica interessa muito ao poder municipal. Daí não haver problemas em buscar nas prefeituras o apoio financeiro necessário ao desenvolvimento de um bom trabalho. O que não se pode permitir, e para isso os CVBx são a melhor alternativa, é que as prefeituras tentem manipular politicamente a ação dos CVBx por conta desse apoio.
Num boletim de 1913 o CVB alertava que, devido à falta de espaço adequado, a cidade perdera cerca de 3.500 grandes eventos nos últimos seis anos! Por incrível que pareça, essa é uma situação que ainda aflige alguns CVBx mundo afora, principalmente no Brasil, mas, como podemos constatar, buscar apoio no poder público e obter sólidas parcerias é uma reivindicação que, se ainda está longe de ser uma realidade no Brasil, pelo menos conta com o respaldo de uma importante herança histórica.
Por esse detalhe, alguns especialistas consideram o London CVB como o primeiro do mundo, embora eu prefira atribuir esse crédito ao CVB de Detroit, por ter sido lá que surgiu a coisa mais importante: o conceito original. Desde então muita coisa mudou, o turismo cresceu e ganhou importância estratégica para muitos países.
Transformou-se em produto de exportação, atividade geradora de emprego e renda, assumiu status de impulsionador do desenvolvimento e ganhou as páginas de economia dos principais meios de comunicação. Entretanto, a idéia de entidades agindo no apoio à captação de eventos e na divulgação dos atrativos turísticos de uma cidade ou região para aumentar o fluxo de visitantes, vem sendo consolidada nos cinco continentes, foi ganhando corpo, e hoje existem mais de 1000 CVBx espalhados pelo mundo!
Seguiram-se Florianópolis, Blumenau, Brasília, Petrópolis, Fortaleza, Joinville e Belo Horizonte, mas é curioso perceber que, em 1997, cento e um anos após a criação do primeiro CVB do mundo, e quatorze anos passados da fundação do primeiro do Brasil, existiam apenas nove CVBx no Brasil!
Nos últimos anos esse número foi multiplicado várias vezes e, no momento em que escrevo este texto, em setembro de 2008, já podemos contar com mais de 110 entidades em todo o território nacional. Mas é preciso fazer justiça. Toda essa movimentação em torno dos CVBx tomou corpo com a criação, em 1998, do Fórum Brasileiro de CVBx, depois transformado em Federação Brasileira de Convention & Visitors Bureaux, hoje Confederação Brasileira, presidida por João Luiz dos Santos Moreira, executivo especialista em planejamento estratégico e turismo de negócios.
A partir daí, e com a criação, no início do governo Lula, do Ministério do Turismo, o setor foi fortalecido e hoje está presente em todos os níveis de decisão do turismo brasileiro. O presidente da ex-Embratur, Eduardo Sanovicz, e a atual presidente, Jeanine Pires, são oriundos do sistema de CVBx. Ele foi diretor do pioneiro SPCVB, e ela atuou nos CVBx de Maceió e Recife antes de ir para o governo federal a convite de Sanovicz.
A equipe montada originalmente para dirigir a “nova” EMBRATUR era composta por profissionais emprestados de vários CVBx do Brasil, como Vera Sanches, ex-CVB de Brasília, Karin Carvalho, ex-CVB de Curitiba, Vaniza Schüller, ex-CVB de Porto Alegre e Ney Humberto Neves, ex-CVB do Rio de Janeiro, para ficar apenas nos mais conhecidos. A FBCVB e o próprio sistema brasileiro de CVBx ficaram tão conhecidos e assumiram tamanha importância estratégica, que se transformaram no principal parceiro da EMBRATUR e do Ministério do Turismo na promoção comercial do Brasil no exterior.
Vale lembrar também que a FBCVB é co-responsável pelos constantes recordes batidos pelos indicadores do turismo brasileiro nos últimos anos. A Federação, entre outras atividades, está presente na montagem e comercialização dos estandes do Brasil nos mais de 40 eventos do setor ao redor do mundo, e encabeça o Programa de Combate ao Turismo Sexual Infantil, lançado pelo Ministério do Turismo.
Elas reúnem, debaixo da mesma bandeira, os setores interessados no desenvolvimento econômico e social e na promoção comercial dos destinos através do turismo. Em todo esse processo, que, como se vê, já dura mais de um século, precisamos destacar a responsabilidade dos CVBx e das cadeias produtivas que representam, como agentes do deslocamento das discussões sobre turismo no Brasil, da área de lazer e entretenimento para a área de economia.
Percebe-se nitidamente nesse deslocamento um ganho qualitativo e estratégico difícil de imaginar alguns anos atrás, e que deve ser creditado à ação decisiva dos CVBx e ao seu DNA supra-corporativo, já que abrigam diversos setores profissionais debaixo do mesmo ideal e objetivos.
De fato, ao agirem no apoio à captação de eventos e na promoção de seus destinos, os CVBx acabam impactando, direta ou indiretamente, uma série de atividades que não estão, necessariamente, ligadas ao turismo!
São empresas que prestam serviços auxiliares em eventos, como segurança, limpeza, gráficas, recepcionistas, tradução simultânea, transporte, floriculturas, shows, buffets, restaurantes, casas noturnas, shoppings, táxis, enfim, um universo calculado em mais de cinqüenta atividades que, somadas, ajudam a compor a base da cadeia produtiva do turismo, a qual estima-se, seja responsável por cerca de 8% do PIB nacional.
Evidentemente, para se chegar a esse número, é preciso incluir na conta o faturamento das empresas que temporariamente se juntam à atividade turística em si, ainda que de forma indireta, para formar a dita Economia do Turismo. Assim, quando uma construtora, por exemplo, está levantando o prédio que abrigará um hotel, passa a integrar a economia do turismo.
Seguindo o mesmo raciocínio, quando o hotel encomendar à indústria têxtil a compra dos suprimentos de cama, mesa e banho de que vai precisar, fará com que esta passe a somar pontos para a economia do turismo!
O mesmo acontece com a indústria cerâmica ao fornecer as louças de que o hotel vai precisar, e assim por diante, num círculo virtuoso que espalha benefícios por toda a cadeia produtiva regional. Foi destacando a importância dessa roda da fortuna que os CVBx conseguiram desviar o foco de discussão da área do interesse turístico para a do desenvolvimento econômico.
Hoje, no Brasil, os mais de 110 CVBx existentes, são mais solicitados pelos cadernos de economia dos jornais do que pelas colunas sociais, como era costume por muitos anos. Evidentemente, indo muito além disso, os CVBx modernos e mais atuantes, têm sua base de representação bastante ampliada, conseguindo uma abrangência que lhes dá legitimidade para discutir, propor e executar políticas regionais de turismo e influenciar as autoridades na condução dos investimentos no setor, com reflexos muito positivos na atividade econômica das regiões ou cidades que representam.
Por fim, ao agrupar-se em torno da Confederação Brasileira de Convention & Visitors Bureaux, entidade que representa várias Federações Estaduais de CVBx, o setor tende a crescer em importância e peso político, agindo como caixa de ressonância de uma atividade que é responsável por um faturamento de 37 bilhões de reais anuais (3,1% do PIB), que emprega quase três milhões de pessoas e recolhe 4,2 bilhões de reais em impostos com a realização de 320 mil eventos por ano. São números, qualquer que seja o ângulo adotado para análise, que não podem ser ignorados por nenhuma política nacional de turismo, e que, por si só, atestam a pujança do setor e o acerto de Milton Carmichael, quando, lá nos idos de 1896 em Detroit, formulou o conceito que deu origem ao modelo que hoje é reconhecido mundialmente como receita de sucesso para o fomento do Turismo como atividade econômica, os Convention & Visitors Bureaux.
Quando se quer captar um congresso médico, por exemplo, é necessário, primeiro, envolver a entidade médica representativa da especialidade, convencê-la a apresentar a candidatura daquela regional para sediar o congresso nacional da especialidade médica que representa. Sem esse apoio, sem essa vontade política, o CVB estaria passando por cima daquele a quem cabe promover o evento, e a chance de fracasso seria enorme.
Como trazer para a nossa cidade, por exemplo, o Simpósio Nacional de Cardiologia, se não tivermos a concordância do Conselho Regional de Cardiologia? Por isso dizemos que é competência da entidade médica ou entidade de classe captar o evento. Evidentemente, tomada essa decisão que é quase sempre político/corporativa, essa entidade vai precisar do apoio do CVB para defender essa candidatura.
Afinal, o CVB deve ser o especialista na infra-estrutura de eventos da cidade. É o CVB que tem o banco de dados com informações de atendimento ao turista, é ele que conhece e promove os atrativos turísticos, que conhece como ninguém os pontos fortes e as fraquezas do destino.
É por isso que achamos mais correto dizer que os CVBx apóiam a captação de eventos, ainda que, por vezes, sejam obrigados a tomar a iniciativa de motivar a entidade médica ou de classe a apresentar a candidatura, mostrando-lhes as chances de vencer e os benefícios que o evento poderá trazer para todos os envolvidos e para o destino candidato.
Na verdade, acreditamos que este trabalho de motivação, representado por uma agenda pró-ativa contínua, é uma das principais tarefas de um bom CVB. Se não entendermos esta dinâmica fica difícil administrar as expectativas das empresas que se associam aos CVBx como mantenedoras. Pessoalmente, e depois de anos de observação dos mercados, defendo que Os CVBx não têm obrigação de agir diretamente para incrementar os negócios de seus mantenedores. Isso deve ser a conseqüência de um planejamento de longo prazo e resultado do trabalho contínuo e perseverante de um CVB.
Agimos na promoção do destino e no incentivo à economia regional através do desenvolvimento da atividade turística, mas não podemos deixar que se estabeleça uma relação direta, de causa e efeito, entre as atividades deste ou daquele mantenedor.
CVBx, acima de tudo, fazem marketing de destino. CVBx são ferramentas de marketing que integram os setores interessados em posicionar uma cidade ou região como sede de eventos, feiras, viagens de incentivo, de negócios ou de lazer.
A atividade turística e o apoio à captação de eventos são o meio e não o fim. É preciso não confundir produto com finalidade. O objetivo maior deve ser sempre o desenvolvimento econômico e social do destino, e o aumento do fluxo de visitantes através do incentivo à atividade turística são apenas os instrumentos utilizados para atingir tal finalidade.
É simples assim e é assim que deveria funcionar. Num ambiente tão competitivo como este, entretanto, há que deixar espaço para que cada CVB encontre seu próprio caminho e trace seu perfil mais adequado, e é isso que verificamos no Brasil, onde há colaboração muito mais que competição entre os integrantes do sistema.
Essa postura, é bom que se reconheça, também está muito ligada ao excelente trabalho realizado pelas Federações Estaduais e pela própria Confederação. Para encerrar vale sintetizar aqui o pensamento de Carmichael: vamos trabalhar juntos para desenvolver a economia local, e com isso, todo mundo terá benefícios. Ajude uma entidade que promove o desenvolvimento econômico, para que você possa ter um negócio num mercado em crescimento e daí tirar suas possibilidades de lucro e sucesso.
Em síntese, e para ser fiel ao espírito carmichaeliano, antes de perguntar o que o CVB da sua cidade pode fazer pelo seu negócio, você precisa avaliar o que o seu negócio pode fazer para ajudar o CVB a melhorar o ambiente competitivo da cidade, e o seu poder de atratividade para eventos, negócios e turismo.
Agindo assim, você aumenta muito as chances de sucesso do trabalho do CVB, e prova ter visão estratégica para perceber que se deve priorizar o bem coletivo em detrimento do privado. Já é um bom começo, Milton Carmichael ficaria orgulhoso se pudesse ver até onde chegaram suas idéias originais!